13 de abril de 2011

A História dos... Talheres!





Apesar de sugerir inutilidade para muitas pessoas, a diversidade de talheres utilizados hoje é, na verdade, uma secular – e em alguns casos até milenar – herança cultural, que foi aperfeiçoada com o passar dos anos. As facas, por exemplo, acompanham o homem há muito tempo.

A faca que conhecemos hoje, provavelmente surgiu na idade do bronze e do ferro, etapa de transição entre a pré-história e a história. Foi nesse período que ela começou a diversificar-se. Assim, surgiram a faca de cozinha e a utilizada para comer; a apropriada para a caça e a específica para rituais.

As colheres apareceram na mesma época das facas, e ninguém se arrisca a dizer qual das duas surgiu primeiro. Essa ausência de informações gerou, inclusive, algumas fantasias, como a narrada no livro In Punta di Forcheta (Idealibri, Milão, 1998). Nele, os autores Ingeborg Babitsh e Mariosa Schiaffino levam a origem do talher a Eva (sim a de Adão). Diz-se que numa praia deserta, Eva abriu uma concha de ostra, observa o seu desenho e descobriu o utensílio perfeito para levar à boca substâncias líquidas. Sobre a colher, de concreto, sabe-se que os romanos inseriram o objecto nas refeições.

Os garfos, recheados de polémicas, vieram bem depois, no século XI. Os registos mais antigos são de um candidato a santo católico, que criticou o hábito da princesa de Constantinopla e mulher do governante de Veneza, o doge (um género de magistrado) Orseolo. Ela chegou à península Itálica com um objecto de duas pontas com o qual apanhava pequenos pedaços de alimento. Segundo o cardeal, o instrumento lembrava a lança com a qual o diabo infernizava os condenados ao fogo eterno. Além disso, impedia que a pessoa tocasse directamente o alimento, considerado uma dádiva Divina. Coincidência ou não, ela faleceu pouco depois. Para muitos, a morte foi "castigo de Deus".

Séculos se passaram até a novidade chegar a França, por volta de 1530. A florentina Caterina de Médici, que mais tarde seria rainha, levou para o país um enxoval completo, com garfo, faca e colher. Um século depois, o instrumento reapareceu nos banquetes do rei francês Luís XIV, famoso por preconizar muito das boas maneiras à mesa existentes hoje. Foram necessários mais 200 anos até que, no século XIX, o "jogo de cena" finalmente se popularizou.

Os talheres seguiram o mesmo ritmo e diferenciaram-se.



Conhecer normas de etiqueta à mesa pode valer uma venda ou um elogio, tanto quanto um traje adequado ou um inglês fluente. A segurança numa refeição é fundamental para estreitar relações pessoais e profissionais. O simples facto da pessoa não ficar nervosa por não saber o que fazer já é um grande avanço. O raciocínio e a desenvoltura não ficam bloqueados. A partir daí, a discussão ou a simples interacção social ficam facilitadas.

A regra de ouro é começar a praticar em casa, mesmo que a pessoa ache desnecessário esse treino. Alimentar-se com o garfo na mão esquerda requer certa prática para quem não está acostumado. E o lar é o melhor lugar para aperfeiçoar as boas maneiras, porque não há pressões externas.

O Mise-en-place, que significa Jogo de cena ou arrumação prévia, nada mais é que a maneira como os objectos são distribuídos pela mesa. Ao contrário da confusão que algumas pessoas fazem, o objectivo é facilitar a vida de quem serve e de quem se alimenta. Para quem está a comer, a regra é a de utilizar sempre o talher que estiver mais para fora.

A diferenciação dos objectos visa adequar o talher aos vários pratos servidos numa refeição completa. A faca para peixe, por exemplo, não tem corte porque a “carne” é extremamente macia. Além disso, ela ajuda a separar espinhas. O mesmo exemplo serve para os copos. O utilizado para vinho branco é menor e a temperatura da bebida deve ser mais baixa. Na organização, ele fica mais próxima à mão direita porque acompanha o primeiro prato. O copo de água é maior porque é o mais utilizado. E todos devem ser segurados pela haste para evitar o contacto com as mãos.

A disposição dos objectos à mesa é, também, reflexo de intenções subentendidas herdadas ao longo dos séculos. O acto de virar a faca para dentro, por exemplo, vem da Idade Média. A intenção do anfitrião é mostrar que está desarmado, uma espécie de sinal de paz para o banquete. O facto de o garfo ficar na mão esquerda e a faca na mão direita vem dos tempos de Luís XIV. A ordem existe até hoje porque todo o modelo foi concebido para pessoas destras, já que os esquerdinos eram discriminados.


O hashi (em japonês) ou k'uai-tzu (em chinês), chamado de "pauzinho”, também tem vida milenar. Ele é utilizado por povos do oriente desde a antiguidade, por volta do século IV. Naquela época, o instrumento era dobrado como se fosse uma pinça, representando o bico de um pássaro. A tradução do termo nipónico para o português também é simbólica. Na tradição xintoísta, hashi significa "ponte", que liga o homem e o alimento.
A maioria dos hashi é feita de madeira. Contudo, ossos, dentes de elefante, marfim, bambu e até metais são utilizados na sua confecção, que inclui ainda pinturas e decorações. O comprimento varia de 21 a 36 centímetros.
Em muitos casos, eles acabam tornando-se objectos pessoais: cada um tem o seu hashi.
Assim como os talheres ocidentais, o hashi tem diferenciações funcionais. Existem os específicos para comer, cozinhar e apanhar comida. Mas há também diferenças estéticas, inclusive de um país para outro. O k'uai-tzu é quadrangular de uma ponta à outra. Já o hashi diminui numa das extremidades. O formato facilita a retirada das espinhas dos peixes.

Apesar da aparente simplicidade do "talher" oriental, alguns cuidados devem ser observados. O mais importante deles poderia inclusive endossar a desaprovação do cardeal italiano diante da princesa de Constantinopla. Para os orientais, espetar o hashi no arroz e deixá-lo na vertical é uma falta grave. Isso só é feito em momentos de oração, de reflexão e homenagem a antepassados. Também não é recomendável deixá-los na horizontal sobre qualquer tigela. Para descansar os
hashi
, vale a pena improvisar um hashioki (descanso para pauzinhos).



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